quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Coraline e o Mundo Secreto (2009)

Preto é tradicional.

Coraline é uma garotinha que se muda na companhia dos pais para uma casa centenária. Abandonada por eles, os quais trabalham exaustivamente em um catálogo de jardinagem, a menina se sente constantemente entediada e tenta se distrair explorando a velha casa e seus arredores, e conhecendo melhor seus excêntricos vizinhos. O morador de cima é um velho russo bêbado que acredita possuir um maravilhoso circo de camundongos saltadores. As outras inquilinas não ficam muito atrás: são duas antigas divas do teatro, hoje atrapalhadas e completamente depravadas.

Durante a noite, Coraline é atraída por um camundongo a uma pequena porta que mais cedo encontrara vedada com tijolos. Para a surpresa da menina, a porta está aberta e possui um túnel que a leva a outra dimensão: um mundo bem parecido com o seu, mas em que “tudo é certo”. Neste lugar, os seus pais dedicam-se à ela integralmente, o velho russo realmente possui um circo de camundongos amestrados e as vizinhas são atrizes bonitas e talentosas. A vida da menina fora cuidadosamente observada por sua “outra mãe” através de uma boneca de pano.

Mas é claro que um mundo perfeito não sairia de graça. Em troca daquela realidade aparentemente ideal, Coraline deve permitir que costurem um par de botões no lugar dos seus olhos, entregando sua própria vida e esquecendo o seu nome.



Um dos detalhes que mais me chamou a atenção em Coraline foi a importância do nome. Logo no início, a pequena protagonista revela ficar extremamente incomodada quando a chamam de Caroline, ao invés de Coraline. Ainda mais ofensivo, um dos personagens reforça “dizem que não dá para ter grandes expectativas sobre pessoas de nomes comuns como o seu, Caroline”. Como em A Viagem de Chihiro (2001), outro grande filme sobre uma pequena heroína às voltas num arriscado mundo adulto, o nome de um indivíduo é equivalente à sua personalidade, bem como à sua liberdade, de forma que, quando tem o nome roubado, torna-se indefeso e manipulável.

Crianças são alvos fáceis. São curiosas, inquietas, inconformadas, sempre insatisfeitas. A porta que Coraline atravessa é pequena, não é adequada para um adulto. Adultos são desprovidos de imaginação. Porém, apesar do descontentamento de Coraline em relação à sua família e vizinhos, a menina é emancipada, indomável, e não aceita ser manipulada. Considero a boneca de pano um símbolo dos valores antigos, de uma infância idílica e, muitas vezes, regrada. Um item hoje raro entre os brinquedos infantis, quase uma curiosidade.

Ultrapassando os limites do stop-motion, Henry Selick finalmente sai da sombra do insosso e superestimado O Estranho Mundo de Jack (1993) para adentrar o mundo dos sonhos e construir o seu próprio Alice no País das Maravilhas, baseado numa novela de Neil Gaiman. Além de uma bela e macabra parábola sobre a construção do caráter, Selick criou um lindo mundo em miniatura, confeccionado à mão de forma muito especial por uma equipe dedicada. Destaque ainda para a trilha sonora perfeita de Bruno Coulais, premiada no último dia 08 com o Annie Awards, o principal prêmio da animação mundial.

No interativo site do filme é possível curtir mais um pouco do universo de Coraline e conferir fotos e vídeos sobre como o filme foi feito.

Outro extra imperdível é este vídeo de Neil Gaiman falando sobre botões, adorável (para alguns, nem tanto) artefato:

10 comentários:

  1. Fiquei completamente besta quando vi, nos extras do DVD, que CORALINE foi feito todinho em stop-motion. Se é mesmo verdade - e mesmo que haja algum efeito digital para "suavizar" as transições - é o mais perfeito filme em stop-motion já realizado! E agora, longe das asas protetoras/ofuscantes de Tim Burton, talvez o talento de Selick (que fez também JAMES E O PÊSSEGO GIGANTE) comece a ser reconhecido.

    As metáforas que o filme propõe para falar da importância da individualidade e de aceitarmos o mundo como um lugar imperfeito, mas preferível à uma realidade forjada, são idéias provocantes, deliciosas. Por isso, CORALINE não é para crianças. Petizes só entenderão que pais xerocados são malvados e que vizinhos excêntricos podem ser divertidos. Ou que bonecas de pano até que são legais.

    Enquanto lia esse ótimo texto da Bia, lembrei da melhor cena de AS BRUXAS DE SALEM, quando Daniel Day-Lewis (provavelmente no momento máximo de sua carreira) faz um discurso enfurecido e contundente sobre a importância de seu nome. Claro que o sentido é outro, mas nem tanto: sem nossos nomes, não existimos. Sem o valor do indivíduo, sem personalidades livres e únicas, somos meros robôs, fantoches - ou bonecos de pano com olhos de botão.

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  2. É exatamente essa a idéia. Em um momento do filme, os personagens supostamente perfeitos revelam ser vazios por dentro, preenchidos apenas com enchimento para bonecos.

    O filme tem uma equipe imensa e levou quase 2 anos para ser feito. No site e nos extras do DVD, como você comentou, podemos ver um pouquinho da loucura que foi a elaboração desse filme. É realmente inacreditável, e o resultado é perfeito.

    Sobre os petizes compreenderem o filme, também acho improvável. Aliás, fiquei sabendo que tanto CORALINE como CHIHIRO desagradaram muitas crianças, que saíram chorando dos cinemas. São histórias de horror disfarçadas de história infantil. As minhas preferidas, eu diria. Hehe.

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  3. Eita, vocês dois escrevem tão bem e estão tão inteirados do que fazem, que até deixam a gente desencorajada de postar um comentário. É claro que, diante de dois experts, não teria, jamais, o atrevimento de me aventurar pelo mérito do filme em comento, até porque - como já tive oportunidade de externar em outras ocasiões - não sou afeita a assistir filmes de nenhum gênero. Por isso mesmo, não sei nada acerca do assunto. Mas, quanto a este, a única coisa que posso falar é que dia desses ele estava sendo exibido aqui em casa e, entre uma espiadinha e outra, pude verificar que Coraline é a cara da Mulher Elástica, a esposa do Sr. Incrível... Pode?

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  4. Assisti essa maravilha acompanhado da minha sobrinha de quatro anos, não é que a coitadinha morreu de medo da animação! Hoje em dia bicho-papão não assusta ela, o que mete pavor mesmo é a terrível "boneca dos olhos de botão" como ela se refere! Acho até que ela deu cabo do dvd que ganhou do meu pai!Hehehe! Quanto a mim confesso que fui surpreendido com essa obra! Obviamente não é para crianças, mas é de encher os olhos de marmanjo(a)s! Abraços Beatriz...

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  5. Na época em que eu li a obra Coraline (ainda em inglês) desejei que não adaptassem para o cinema, porque perderia totalmente o encanto, pois eu adoro a narrativa.
    Quando lançou o filme, não tive vontade nenhuma de assistir, só me bateu curiosidade quando soube que era do mesmo diretor de "James e o pêssego gigante" (o melhor filme da minha infância). Assisti e gostei bastante. Achei muito interessante você ressaltar sobre o nome e sua ligação com a personalidade e independência do personagem, detalhe que só me lembrei agora, ao ler seu texto!
    Muito bom texto, por sinal!

    ;**

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  6. "Petizes só entenderão que pais xerocados são malvados e que vizinhos excêntricos podem ser divertidos. Ou que bonecas de pano até que são legais."

    É verdade, acho que eles não tirarão nada mais que isso, do filme. Até eu tenho medo dos botões! rsrs

    Excelente texto, Bia. Como sempre, né?

    Beijo,
    Patola.

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  7. Esse filme é lindo, emocionante, super bem produzido e sensacional! Para mim está pau a pau com Estranho mundo de Jack

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  8. eu adorei o filme Coraline,ja vi 2 vezes seguida,e recomendei para as minhas amigas,mais uma coisa que eu nao entendi:porque nao tem ela nas lojas

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  9. E o nome do gato. Eu preciso para uma atividade e não quero ver o filme de novo.

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