Coraline é uma garotinha que se muda na companhia dos pais para uma casa centenária. Abandonada por eles, os quais trabalham exaustivamente em um catálogo de jardinagem, a menina se sente constantemente entediada e tenta se distrair explorando a velha casa e seus arredores, e conhecendo melhor seus excêntricos vizinhos. O morador de cima é um velho russo bêbado que acredita possuir um maravilhoso circo de camundongos saltadores. As outras inquilinas não ficam muito atrás: são duas antigas divas do teatro, hoje atrapalhadas e completamente depravadas.
Durante a noite, Coraline é atraída por um camundongo a uma pequena porta que mais cedo encontrara vedada com tijolos. Para a surpresa da menina, a porta está aberta e possui um túnel que a leva a outra dimensão: um mundo bem parecido com o seu, mas em que “tudo é certo”. Neste lugar, os seus pais dedicam-se à ela integralmente, o velho russo realmente possui um circo de camundongos amestrados e as vizinhas são atrizes bonitas e talentosas. A vida da menina fora cuidadosamente observada por sua “outra mãe” através de uma boneca de pano.
Mas é claro que um mundo perfeito não sairia de graça. Em troca daquela realidade aparentemente ideal, Coraline deve permitir que costurem um par de botões no lugar dos seus olhos, entregando sua própria vida e esquecendo o seu nome.

Um dos detalhes que mais me chamou a atenção em Coraline foi a importância do nome. Logo no início, a pequena protagonista revela ficar extremamente incomodada quando a chamam de Caroline, ao invés de Coraline. Ainda mais ofensivo, um dos personagens reforça “dizem que não dá para ter grandes expectativas sobre pessoas de nomes comuns como o seu, Caroline”. Como em A Viagem de Chihiro (2001), outro grande filme sobre uma pequena heroína às voltas num arriscado mundo adulto, o nome de um indivíduo é equivalente à sua personalidade, bem como à sua liberdade, de forma que, quando tem o nome roubado, torna-se indefeso e manipulável.
Crianças são alvos fáceis. São curiosas, inquietas, inconformadas, sempre insatisfeitas. A porta que Coraline atravessa é pequena, não é adequada para um adulto. Adultos são desprovidos de imaginação. Porém, apesar do descontentamento de Coraline em relação à sua família e vizinhos, a menina é emancipada, indomável, e não aceita ser manipulada. Considero a boneca de pano um símbolo dos valores antigos, de uma infância idílica e, muitas vezes, regrada. Um item hoje raro entre os brinquedos infantis, quase uma curiosidade.
Ultrapassando os limites do stop-motion, Henry Selick finalmente sai da sombra do insosso e superestimado O Estranho Mundo de Jack (1993) para adentrar o mundo dos sonhos e construir o seu próprio Alice no País das Maravilhas, baseado numa novela de Neil Gaiman. Além de uma bela e macabra parábola sobre a construção do caráter, Selick criou um lindo mundo em miniatura, confeccionado à mão de forma muito especial por uma equipe dedicada. Destaque ainda para a trilha sonora perfeita de Bruno Coulais, premiada no último dia 08 com o Annie Awards, o principal prêmio da animação mundial.
No interativo site do filme é possível curtir mais um pouco do universo de Coraline e conferir fotos e vídeos sobre como o filme foi feito.
Outro extra imperdível é este vídeo de Neil Gaiman falando sobre botões, adorável (para alguns, nem tanto) artefato: